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3.1.12

Proposta de Revisão da Estrutura Curricular

A Aproted analisou a Proposta de Revisão Curricular do Ministério da Educação, em consulta pública até 31 de Janeiro, e enviou um documento com sugestões para o endereço electrónico que o Ministério da Educação criou para o efeito (revisao.estrutura.curricular@mec.gov.pt).

Transcrevemos abaixo o documento na sua integralidade.

Excelentíssimos Senhores:

Em resposta à proposta de Revisão da Estrutura Curricular do Ministério da Educação, vimos por este meio comentar o documento e apresentar propostas alternativas, contribuindo assim para o debate sobre este assunto.

Logo no primeiro parágrafo, o documento defende a existência de um “ensino moderno e exigente”, que subscrevemos. Contudo, a proposta, em nossa opinião, não vai ao encontro de um ensino exigente nem de um ensino moderno. Pelo contrário. Expressões como “disciplinas essenciais” ou “centrando mais os currículos”, além de anacrónicas, podem criar a ideia de que só algumas disciplinas são importantes e fazer diminuir o empenho dos alunos. Um ensino moderno e exigente não pode limitar-se a conhecimentos “centralizados”, deve ajudar os alunos a adquirir conhecimentos e a desenvolver capacidades que os transformem em pessoas cultas, criativas, empenhadas na sociedade com espírito crítico, que sejam bons profissionais, mas também bons cidadãos.

Recentemente, o senhor Secretário de Estado da Cultura afirmou publicamente a necessidade de se apostar na formação de públicos para as Artes e para a Cultura. Contudo, o documento que agora analisamos não refere essa necessidade de formação de públicos e mostra que, mais uma vez , perdeu-se a oportunidade de reforçar a presença das artes na escola, nomeadamente do Teatro, que tem sido o parente pobre da Educação Artística.

As diferentes equipas que têm passado pelo Ministério de Educação têm ignorado sistematicamente a importância do Teatro no sistema de Ensino, apesar do seu carácter eminentemente interdisciplinar, já que engloba muitas outras artes e permite trabalhar diferentes expressões - corporal, vocal, musical, escrita, plástica – e de ajudar os alunos a desenvolverem-se de forma harmoniosa em vários domínios - cognitivo, emocional, afectivo, social, psíquico, motor.

Seria demasiado exaustivo enumerar aqui todos os benefícios da sua existência no Sistema de Ensino. Existem inúmeros estudos bem fundamentados em distintas áreas do saber que o defendem. Podemos, contudo, fazer um pequeno resumo.

O Teatro permite desenvolver: a confiança em si e nos outros, a compreensão dos outros, a capacidade de trabalhar em equipa, a capacidade de argumentar, a responsabilização perante terceiros, a expressividade, a concentração, a memória, a dicção, a leitura, a respiração, o estar em público, o falar em público, a criatividade (tão reclamada hoje em dia), a capacidade de abstracção (fundamental, por exemplo, para a Filosofia e para a Matemática), a leitura e compreensão de textos (e não só de textos dramáticos), a escrita, o sentido estético (fundamental para a formação de públicos de que fala o Secretário de Estado da Cultura), o conhecimento do património dramatúrgico, cultural e etnográfico, etc.

Façamos então uma breve descrição da situação do Teatro no nosso sistema de ensino.

No 1º ciclo do Ensino Básico, a Expressão Dramática faz parte do currículo. Todavia, algumas ambiguidades na percepção dos docentes sobre as orientações relativas às Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC), levaram a que muitos professores entendessem que a Educação Artística não deverá ser desenvolvida nas aulas regulares.

Por outro lado, nas AEC, são poucos os casos em que se trabalha a Expressão Dramática e o Teatro, já que apenas a Música, a Educação Física e o Inglês são financiados pelo Ministério da Educação. Em suma, o Teatro deixou tendencialmente de ser trabalhado dentro do currículo (e portanto não está acessível a todas as crianças) para além de, na maioria dos casos, não ter qualquer expressão em actividades extra-curriculares.

No 2º ciclo do Ensino Básico, não existe qualquer disciplina ligada ao teatro.

No 3º ciclo, existe a Oficina de Teatro, opção de escola. Trata-se de uma disciplina semestral (entre 10 e 15 aulas) nos 7º e 8º anos, sendo uma disciplina anual (por opção dos alunos) no 9º ano. Na esmagadora maioria dos casos, a disciplina é leccionada por um professor do quadro de escola, independentemente de ter formação ou experiência, chegando a existir casos de professores que leccionam a disciplina para completarem horário, mas não a consideram importante para os alunos. Em última instância, as escolas recorrem a concursos por oferta de escola, com critérios nem sempre transparentes. Tudo isto acontece apesar de, paradoxalmente, existirem professores profissionalizados na área do Teatro, sem grupo de docência, sujeitos a uma enorme precariedade e a serem substituídos por pessoas sem as suas competências.

No Ensino Secundário, existiu até há pouco tempo a disciplina de Oficina de Expressão Dramática, com bons resultados em muitos casos, mas que terminou sem que qualquer avaliação tivesse sido feita. Neste grau de ensino continua a existir uma inexplicável lacuna na oferta curricular, pois ainda não foi criado um curso Geral de Artes do Espectáculo dirigido aos alunos que pretendam prosseguir estudos superiores nesta área artística. Recorde-se que este curso já esteve previsto, e com programas aprovados, na revisão curricular do secundário, Decreto-Lei nº 7/2001, preparada pelo Governo Socialista de António Guterres, mas não chegou a ser implementado devido à queda do XIV Governo Constitucional. Contudo, ainda que este governo tenha uma matriz ideológica diferente da do governo de António Guterres, consideramos que é importante olhar para os programas elaborados na altura e implementá-los, uma vez que a política educativa não deve ser refém de visões partidárias ou de conjecturas.

No ensino profissional, existem cursos de Teatro em pouquíssimas escolas e algumas disciplinas ligadas à Expressão Dramática em cursos profissionais.

Face ao exposto, constata-se, portanto, uma quase inexistência do Teatro, tanto no ensino generalista como no ensino artístico especializado, uma enorme desarticulação entre os vários ciclos de ensino e a completa ausência de uma estratégia clara para o desenvolvimento da Educação Artística no nosso país.

Infelizmente, apesar de preconizar um “ensino exigente e moderno”, a proposta de Revisão da Estrutura Curricular que analisamos ignora todos estes problemas. Não reforça a presença do Teatro no sistema de ensino e até o retira do 9º ano, obrigando a que os alunos se limitem a ter Educação Visual. Não se entende, aliás, qual o sentido de um aluno no 9º ano só poder escolher uma disciplina de Educação Artística. Se tiver Teatro, não pode ter Educação Visual? Se tiver Educação Visual, não pode ter Teatro? Se existe um Curso Profissional de Artes do Espectáculo, não fará sentido os alunos terem Teatro no 9º ano, nem que seja para detectarem eventuais vocações?

Saudamos contudo que o Ministério da Educação esteja receptivo a propostas de melhoria do documento (apesar de entendermos que o prazo deveria ser alargado). Por esse motivo, propomos o seguinte:

- A clarificação da forma como a Educação Artística, nomeadamente o Teatro, deve ser trabalhada no 1º Ciclo de Ensino, de modo a não ser relegada apenas para as Actividades de Enriquecimento Curricular;
- Uma maior presença do Teatro como Actividade de Enriquecimento Curricular (também entendemos que deve haver uma maior articulação entre as AEC e o currículo);
- O estudo da possibilidade de integração de uma disciplina ligada ao Teatro no 2º Ciclo do Ensino Básico, de forma que se elimine, nesta expressão artística, o inexplicável hiato entre o 1º e o 3º ciclo.
- O reforço da presença da disciplina de Teatro durante os 3 anos do 3º Ciclo, acessível a todos os alunos;
- A criação de um Curso Geral de Artes do Espectáculo, no Ensino Secundário, para os alunos que pretendam prosseguir estudos superiores nesta área;
- A recuperação da disciplina de Oficina de Expressão Dramática como opção para os alunos do Ensino Secundário que estudem noutras áreas, mas que pretendam desenvolver algumas das capacidades acima citadas;
- O aumento da oferta de cursos profissionais de Teatro;
- A criação de um grupo de docência na área do Teatro;

Embora este documento seja elaborado no âmbito de uma proposta de alteração curricular, reforçamos a necessidade de reconhecimento dos docentes com formação, os quais têm desenvolvido (quando conseguem colocação!) um trabalho meritório que não tem sido valorizado. Apesar de profissionalizados, não possuem grupo de docência, não são tratados como professores (mas como “Técnicos Especiais”), estão sujeitos a concursos por oferta de escola com critérios díspares (em muitos casos, desonestos, como é de conhecimento público), não podem aceder a horários completos e os contratos são precários.

É, pois, importante que os professores de Teatro-Educação, com formação científica, artística e pedagógica, tenham acesso a um grupo disciplinar, a uma carreira docente e não sejam substituídos por professores de outras áreas, “com curiosidade” em leccionar Expressão Dramática sem terem, em inúmeros casos, o mínimo conhecimento da linguagem teatral.

Quando tanto se fala em violência nas escolas, em abandono escolar, e na necessidade de incrementar a criatividade dos alunos, é necessário que se olhe para lá das “crises” e que se pense no futuro (é na sociedade de amanhã que se reflectirão as escolhas feitas hoje), que tenha a Arte, nomeadamente o Teatro, como motor de um Sistema de Ensino próprio do Século XXI.

Melhores cumprimentos,


A Direcção da APROTED – Associação de Professores de Teatro-Educação