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29.12.08

PETIÇÃO pelo Fim da Discriminação dos Professores das Disciplinas Artísticas e Técnicas das Escolas do Ensino Regular

Se ainda não o fez, ASSINE E/OU DIVULGUE A NOSSA PETIÇÃO PELA REVOGAÇÃO do DECRETO-LEI N.º 35/2007 e FIM da DISCRIMINAÇÃO dos PROFESSORES das DISCIPLINAS ARTÍSTICAS e TÉCNICAS das ESCOLAS do ENSINO REGULAR

13.12.08

Entre Pandora e Babel

Opinião

O Decreto-Lei nº 35/2007 e a nova política educativa para as áreas artísticas e profissionais

1. A sabedoria de Cassandra


Embora ninguém queira acreditar, irão ser tomadas, em breve, novas e ajustadas medidas que solucionarão, finalmente, os problemas da Educação em Portugal. O Governo irá mesmo começar pelas contratações por Oferta de Escola e, assumindo o erro cometido, extinguirá o malfadado Decreto-Lei nº 35/2007 porque não faz sentido as escolas esforçarem-se por contratar professores especializados, por vezes difíceis de encontrar, para os cursos que oferecem e, ao mesmo tempo, o Ministério da Educação proibir que esses docentes leccionem mais de meio horário. Era absurdo e contraproducente. Por outro lado, era injusto ter sido feita legislação especial para que os professores de artes de duas ou três escolas especializadas “contornassem” o DL nº 35/2007 e pudessem ser contratados para horários completos e os seus colegas de ofício das centenas de escolas públicas continuassem proibidos de leccionar mais de meio horário.
Assim, no próximo ano lectivo, os professores das áreas técnicas e artísticas poderão, novamente, leccionar horários completos. Irão, surpreendentemente, iniciar a sua actividade no início do ano lectivo, porque o ME, num impulso renovador de tudo planear antecipadamente, irá proceder à contratação dos professores de técnicas especiais uns meses antes do início das aulas e não já no decorrer do ano lectivo, como agora faz. Não haverá injustiça nas contratações, e se as houver elas poderão ser reparadas, porque serão dados às escolas critérios gerais de selecção com vista a escolher os melhores candidatos, e estes terão acesso à lista graduada e à demais documentação do transparente processo de selecção, de modo a poderem recorrer se se sentirem lesados. Também se reduzirá as colocações desnecessárias dos professores longe da sua área de residência, pois usando os novos meios informáticos, facilmente a DGRHE processará, em simultâneo, os pedidos de colocação dos professores de acordo com as suas preferências regionais tendo em conta os horários disponíveis nas escolas, tal como já o faz para o Concurso Nacional de Professores.
Embora em sussurro, foi-nos ainda dito, que, finalmente, vai ser criado um quadro para os professores das disciplinas artísticas das escolas do ensino público regular, tal como já existe para o ensino artístico especializado. Isto porque o Governo aposta na inclusão e na igualdade de oportunidades e entende que a educação artística de qualidade deve ser para todos os jovens e não apenas para um grupo muito restrito, tal como acontecia no longínquo regime do Estado Novo. E também já parece mal estar sempre a organizar grandes Conferências, internacionais e nacionais, sobre a Educação Artística, e depois nada fazer para a melhorar nas escolas.
Também na relação do ME com a classe docente, já a partir do próximo ano lectivo, haverá uma postura completamente diferente. As medidas do ME não serão mais impostas aos professores debaixo do bastão de Dracon. Os responsáveis ministeriais deixarão de aplicar a velha “pedagogia” da obrigação e do castigo e usarão para com os docentes as mesmas estratégias que pretendem que estes empreguem com os seus alunos para combater o insucesso escolar. Passarão a respeitá-los, a motivá-los, a incentivá-los, a cativá-los, a ajudá-los, a facilitá-los, a compreendê-los, a atender aos seus problemas sociais, profissionais e familiares. No fundo, a acarinhá-los.
Cassandra, a última grande pitonisa do Oráculo de Delfos, revelou-nos estas suas certas premonições. Porque será que ninguém acredita?

2. Cavalo de Tróia
Para substituir uma determinada ordem legítima e democrática, por outra que não passe por estes crivos, é necessário instalar, ou simular, primeiro, e por todos os meios, o caos na primeira. O método é recorrente na História, sendo o pressuposto retirar de privilégios a um determinado grupo, acto tido como justo, e que se sustenta na opinião pública através da demagogia e propaganda, um dos itens da cartilha de actuação.
No nosso país, temos assistido, ultimamente, a uma estratégia em muitos aspectos semelhante. Lentamente, sector a sector, grupo profissional a grupo profissional, o Poder vai implementando uma espécie de “guerrilha” que segrega os cidadãos, que os vira uns contra os outros, enfraquecendo o todo social e desmembrando a unidade e solidariedade indispensável para nos sentirmos parceiros neste projecto comum que é Portugal. Quando se vai assim armadilhando e desestruturando a sociedade, soa contraditório e falso que os próprios dirigentes do país venham, depois, pedir a unidade nacional e o esforço comum, durante as crises, e apelidem as oposições de negativas, pessimistas e sabotadoras.
Neste campo, o ataque perpetuado pelo gabinete de Maria Lurdes Rodrigues contra a classe docente e a escola de matriz democrática foi, e é, uma vilania de que não há memória e que se inscreve na mesquinhez de espírito que muitos autores identificam como uma característica lusitana submersa, mas sempre presente, e que emerge com particular intensidade em situações políticas específicas.
Basta atentarmos na generalidade dos critérios das fichas de avaliação de desempenho docente, emanados do ME, para verificarmos a demagogia e perversidade encapotada que ali grassa. Querer passar a Educação, particularmente o insucesso escolar, de uma responsabilidade colectiva da sociedade e do Estado, para a responsabilidade individual de cada professor na sua sala de aulas, “avaliando-o”, “classificando-o” e “sentenciando-o”, em processo e no imediato, pelo sucesso ou insucesso escolar é uma enormidade. Enormidade, pois sabemos que uma correcta avaliação do Ensino, nomeadamente o insucesso escolar, de um país só é credível e verdadeiramente avaliável em ciclos geracionais. Seria o mesmo que culpar os nossos polícias pelo crescente índice de criminalidade. Sim, porque também se pode invocar que a criminalidade aumenta não por culpa de políticas governativas ou das transformações da sociedade, mas porque os polícias, individualmente, não fazem bem o seu trabalho.
É certo que a ministra da Educação encontrou resistências não esperadas dentro da classe docente porque o processo de organização “vertical”, que no nosso país conduz invariavelmente à desunião, ao servilismo e aos favorecimentos (os sociólogos sabem-no bem), ainda não foi completamente instaurado. Querer que, do pé para a mão, a classe docente do país - e aquela que, provavelmente, nas últimas décadas melhor se conseguiu organizar numa estrutura verdadeiramente democrática e imune às pressões político-partidárias, cultivando o livre pensamento, a cidadania responsável, e procurando transmitindo esses valores às gerações que educou - querer, dizíamos, que a classe docente adorasse o Cavalo de Tróia que o Governo colocou no “átrio” dos estabelecimentos escolares, mais do que utopia, é desconhecer os mecanismos da vivência democrática e a natural reacção ao autoritarismo.
No fundo, não deixa de ser confrangedor ver governantes eleitos por um sistema democrático, justificarem e fundamentarem, a todo o instante, as suas reformas educativas na necessidade de substituir as actuais lideranças democráticas e colegiais das escolas, por ditas “lideranças fortes” de cariz unipessoal. E muito mais confrangedor é, ainda, ver os mesmos governantes defenderem as alterações no Estatuto da Carreira Docente com persistentes analogias com a hierarquia e carreira militar.
Quando se quer transformar o sistema democrático num esporádico acto eleitoral, e se vai restringindo, em vez de incrementar, o espírito e as regras democráticas na organização da administração pública e na própria vivência quotidiana da sociedade, substituindo-o pelo espírito das “lideranças fortes”, está-se obviamente a “matar” o que de mais genuíno a democracia tem. Talvez não devêssemos esquecer que o derrube da nossa I República, e o longo período anti-democrático que se lhe seguiu, assentou precisamente na justificação da necessidade de “lideranças fortes”.

3. O estratego da inefável sabedoria

A proibição, imposta pelo Ministério da Educação, das escolas, as ditas muito autónomas escolas, contratarem professores para além de meio horário lectivo (11 horas), mesmo que necessitem de um professor para preencher um horário completo, foi coisa nunca anteriormente vista no sistema de ensino português e, pelo que conseguimos apurar, não tem paralelo em mais nenhum outro país do mundo.
Estamos, pois, perante uma ideia singular da equipa do Ministério da Educação de Portugal, certamente com o intuito de acabar com as décadas de atraso ao nível da formação profissional e educação artística dos alunos que saem das nossas escolas. Mas que a medida é estranha, é. Que é misteriosa, é. Que parece absurda, parece.
De facto, nas audiências concedidas à APROTED pelos vários grupos parlamentares, deputados independentes e pela Comissão de Educação e Ciência da Assembleia da República, houve sempre dificuldade, ou perplexidade, por parte dos deputados em entenderem o alcance da medida, inclusive dos do Partido Socialista que também não conseguiram dar uma justificação razoável para o misterioso artigo 11º do DL nº 35/2007: “ Duração do tempo de trabalho – 1. Os horários disponíveis para celebração do contrato de trabalho não podem exceder metade dos tempos lectivos que compõem um horário completo (…)”.
A medida é tanto mais estranha, quando é bandeira do Ministério da Educação para reduzir o insucesso escolar a fixação, obrigatória, dos docentes nos quadros de escola de forma a melhor implementarem os seus projectos educativos e assegurarem continuidade pedagógica aos alunos ao longo dos ciclos de ensino. Se é esta a política oficial, porque obrigou o ME as escolas a dividir horários a meio e a contratar para a mesma disciplina, por exemplo, um professor para assegurar 11 horas lectivas e outro para leccionar as outras 4 horas restantes? Qual o sentido disso? Que racionalidade pedagógica e administrativa há nessa medida?
Se, por outro lado, a aposta do Governo é aumentar rapidamente, e com qualidade, as ofertas ao nível dos cursos profissionais do ensino secundário, sejam de áreas técnicas ou de áreas artísticas, como vem anunciando, porque razão os professores contratados para leccionar a componente técnica, a mais relevante no currículo destes cursos, só podem leccionar até meio horário? Já não necessitarão as escolas de estabilidade no quadro, e os professores de condições para implementarem os seus projectos educativos? Não era esta a “receita” para o sucesso escolar?
Parece evidente que a qualidade e continuidade dos novos cursos profissionais e artísticos do ensino secundário só estará assegurada se as escolas conseguirem criar condições para atrair professores qualificados para leccionarem as áreas técnicas e artísticas dos respectivos currículos. Se estes cursos incidem numa dada especialidade técnica ou artística, é natural que as escolas incluam nos seus quadros, pelo menos durante o período de funcionamento dos cursos (que se espera que seja longo e estruturante, e não mais uma das habituais aventuras pedagógicas de curta duração), um conjunto de professores que trabalhe em equipa, investigue, desenvolva projectos e lute pela afirmação do curso dentro e fora dos muros da escola, bem como pela correspondente saída profissional dos seus alunos.
Ao obrigarem as escolas a aderirem, contra a sua vontade, disto estamos certos, a um novo modelo de professor biscateiro, a meio horário, para as áreas técnico-profissionais e artísticas, o Ministério da Educação dá um passo à frente e dois atrás na implementação e viabilidade destes novos cursos.
Ninguém, do ME ou da maioria parlamentar que aprovou o Decreto-Lei nº 35/2007, foi, pois, capaz de nos explicar ou justificar esta medida “inovadora” do meio horário para os professores especializados do ensino artístico e profissional do nosso ensino público regular e recorrente. Não se encontrando luz para o enigma no diálogo e na Razão, “antigos” aliados da Educação, resta-nos deixar de lado a compreensão e prepararmo-nos para aderir a estados místicos. Dessa forma, e com esforço, talvez consigamos atingir e unirmo-nos à sabedoria inefável deste misterioso e desconhecido estratego do ME.
Não. Não estávamos a ser totalmente correctos. Um dirigente do Partido Socialista, embora não adiantando qualquer explicação para a medida, assegurou-nos que devíamos sentir-nos “honrados” e confiantes pois passámos a ser regidos por um diploma legal com uma hierarquia superior, o Decreto-Lei nº 35/2007 (o dos meios horários), que substituiu a “inferior” Portaria nº 367/98 (a dos horários completos). Claro que ainda nos iremos sentir muito mais honrados quando o Governo publicar uma Lei que, pura e simplesmente, impeça todos os professores de artes de leccionar nas escolas públicas e nos envie definitivamente para o desemprego. Atingiremos, então, o topo da hierarquia dos diplomas legais.

4. Entre Pandora e Babel

Ao não criar critérios gerais de selecção para as disciplinas técnicas e artísticas e ao não exercer qualquer fiscalização no recrutamento de professores efectuado pelas escolas, o ME trouxe Pandora para dentro sistema educativo. Alguns dos males já começaram a fazer efeito, mas a maioria continua dentro da caixa a reproduzir-se e a intensificar-se construindo uma Pandora explosiva que irá rebentar daqui a alguns anos, quando a generalidade dos portugueses já não se lembrar de quem foi Maria de Lurdes Rodrigues.
A situação provocada pelas contratações ao abrigo do DL nº 35/2007 não veio a público, tendo passado despercebida, porque este diploma apenas regula os concursos por Oferta de Escola e os professores, na generalidade, continuam a ser colocados e graduados através da listagem do Concurso Nacional, sendo este processo de colocação transparente, justo, e imune aos conhecidos favorecimentos e “empenhos” que grassam na nossa sociedade.
Contudo, esta desatenção com as Ofertas de Escola, inclusive dos sindicatos, pode tornar-se perigosa no futuro. Lembramos, a propósito, uma “célebre” entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues, ao Jornal de Letras, em que se opunha precisamente à colocação de professores por critérios gerais através de uma lista graduada nacional, devendo as escolas ter liberdade para escolher os professores como melhor entendessem. Tudo aponta para que os contratados por Oferta de Escola estejam a ser, neste momento, as “cobaias” de um novo sistema de colocação de professores que se quererá estender a todo o sistema de ensino, quando a oportunidade política o recomendar: provavelmente numa próxima legislatura.
Dos males deste novo processo de contratação relevam a injustiça, o oportunismo, e a falta de habilitações adequadas de muitos docentes admitidos nas escolas públicas. O caso dos professores profissionalizados em Teatro-Educação é paradigmático. Há mais de uma década atrás, o Ministério do Ensino Superior, em cooperação com o Ministério da Educação, autorizou a criação de um curso superior de teatro, via ensino, com o objectivo de formar professores de teatro para o sistema escolar. O curso tinha a duração de cinco anos lectivos, com estágio integrado e uma componente pedagógica. Contudo, e embora se saiba que o sistema educativo é enormemente deficitário em professores de artes, o ME nunca abriu vagas para estes professores, que continuam fora do sistema educativo, conseguindo alguns ir leccionando através das Ofertas de Escola. No entanto, existem largas centenas de horários da Oficina de Teatro do 3º ciclo que necessitam de professores especializados, pois eles não existem nos quadros do ME, mas as direcções regionais de educação proíbem taxativamente as escolas de contratarem professores especialistas, incentivando, e por vezes obrigando, as gestões escolares a atribuírem estes horários a professores de todo e qualquer grupo disciplinar, muitas vezes contra sua vontade, de forma que não se possa dizer que não há disciplinas artísticas nas escolas, mas fazendo jus à expressão “ que são para inglês ver”.
Poderia, então, pensar-se que o ME “dispensaria” os ainda poucos especialistas em Teatro-Educação, cerca de 30 no país, de leccionar no ensino básico e os aproveitaria para desenvolverem projectos de qualidade e duradoiros nos novos cursos profissionalizantes do secundário. Mas assim não aconteceu. O ME, como sabemos, através do DL 35/2007, proibiu, pura e simplesmente, estes professores de leccionarem mais de meio horário (11 horas) nas escolas portuguesas. Mas, mesmo a meio horário, alguns destes docentes não conseguem lugar no sistema de ensino, estando desempregados, ou tendo, mesmo, já desistido da profissão docente.
Mas como é possível este paradoxo? Como é possível desperdiçar recursos humanos especializados, contratando o Estado, em sua substituição, pessoas sem habilitação adequada? Como é que se dá este processo?
Por falta de conhecimentos específicos, por falta de orientação do ME ou nitidamente para favorecerem determinado candidato, as escolas elaboram critérios de selecção inadequados ou viciados, e distorcendo o espírito do concurso público, por enquanto ainda obrigatório, contratam o professor que bem entendem, tenha ou não habilitações adequadas para leccionar a disciplina. No fundo, por “portas travessas”, i.e., o contorno da lei, seguem precisamente as “instruções” da ministra da Educação no que toca à contratação de professores, conforme seu desejo expresso, entre outros, na entrevista já referida.
Os critérios de selecção lançados por cada escola são, pois, soberanos e indiscutíveis, mesmo que permitam escolher o pior professor em vez do melhor. Neste aspecto, o ME escuda-se na autonomia e responsabilidade das escolas para não exercer a sua orientação e fiscalização, “fechando os olhos” a um cada vez maior número de professores sem qualificação adequada que entra nas salas de aula para leccionar as disciplinas técnicas e artísticas. Em analogia com o sistema financeiro, que agora estrebucha, o ME demitiu-se da sua obrigação de fiscalizar e velar pela qualidade do ensino. E sustentando que todos os males do nosso sistema educativo residem no centralismo ministerial, decidiu que a melhor forma de o melhorar é não regular e “deixar o sistema funcionar” por si. E ele funciona. Lesa os princípios da justiça, o interesse dos alunos e do país, mas funciona.
Mas não só o ME escorraça os professores especializados do sistema de ensino, como também daqui a alguns anos terá um sem número de pessoas que foram sendo contratadas, ano após ano, de forma irregular e pouco transparente, a exigirem entrar para os quadros das escolas através de legislação especial. Situação que até nem é inédita.
Voltando à expressão “para inglês ver”, é recorrente a estratégia do Governo, herdada já de outros tempos políticos, de fazer “encenações” para consumo e divulgação externa, mas sempre sem intenção de melhorar coisa alguma. Foi o caso da 1ª Conferência Mundial de Educação Artística (CCB, Lisboa, 2006) e da Conferência Nacional de Educação Artística (Casa da Música, Porto 2007), onde, mais uma vez, os professores de artes forma ludibriados. Os governantes presentes muito louvaram as artes nas escolas e admitiram o seu enorme atraso no nosso sistema de ensino, prometendo o seu rápido incremento. Na realidade, a única medida prática que se vislumbrou foi a machadada final na já paupérrima educação e ensino artístico das escolas públicas regulares, ao promoverem a “expulsão”, pelo artigo 11º do DL 35/2007, dos poucos professores de artes que, embora a contrato anual, asseguravam algumas disciplinas da área artística nas escolas.


O DL nº 35/2007 exemplifica ainda, ad absurdum, de como pode a própria lei preceituar a não-lei. Ou seja, a ausência de princípios gerais que se querem justos e iguais para todos. Não havendo lei, “cada qual se amanha como pode” e faz as suas próprias regras. Esta desorientação imposta pelo ME, que alguns confundem com liberdade e autonomia, é um pesado fardo para as gestões escolares cada vez mais “atafulhadas” com trabalho burocrático despachado dos gabinetes da 5 de Outubro. Num sistema assim desprotegido, resta nas administrações escolares a ética, os valores e princípios de justiça, que ainda sobrevivem da “ordem” anterior. Algumas escolas seguem-nos, outras nem tanto.
A grande reforma do ensino, no nosso caso particular do ensino profissional e artístico, que continua a ser anunciada e auto-elogiada pelo ME é já, hoje, uma enorme “Torre de Babel” que não chegará a parte alguma. O caos é de tal ordem que, por exemplo, para uma mesma disciplina de currículo nacional, lançada por oferta de escola em 35 diferentes estabelecimentos de ensino públicos, todos exigiram critérios de selecção diferenciados. Para a mesma disciplina, para o mesmo curso, para ministrar os mesmos conteúdos, umas escolas pedem “alhos”, outras “bugalhos”.
Na área específica do teatro, onde, como referimos, já há professores profissionalizados, e centenas de especialistas habilitados pela dezena de cursos superiores de teatro que já existem no país, surgem critérios de selecção surpreendentes. Alguns exemplos: uma escola de Odivelas para Dramaturgia e Interpretação não exigia habilitação superior do professor na área específica, mas “ que tenha experiência técnica aferida pelo Centro Cultural da Malaposta e seja colaborador do mesmo Centro; outra, de Penafiel, para a área de Expressões Artísticas, nomeadamente dramática, pede um professor de Educação Física que já tenha leccionado naquela escola; já uma escola de Matosinhos, para esta a mesma disciplina, pede um licenciado em Português.
Através da aplicação informática do ME, os milhares de candidatos constatam toda esta série de absurdos e de nítidos favorecimentos pessoais nos critérios de selecção. No entanto, nada podem fazer, pois não há quem regule ou fiscalize acima da própria entidade que elaborou os critérios. De facto, pela actual legislação, as escolas podem até apresentar os critérios mais rigorosos, “para inglês ver”, no anúncio de candidatura, mas seleccionar, depois, o candidato que muito bem entendam. Como o ME não fiscaliza e foi retirado aos candidatos a possibilidade de consultarem a sua classificação e ordenação no concurso, a escola nunca será incomodada por recrutar um professor menos capaz entre outros com habilitações mais adequadas.
Na realidade, a Portaria nº 367/98, que regulava as Ofertas de Escola e que foi extinta pelo actual DL 35/2007, previa que os candidatos recorressem, para o director regional de educação respectivo, da decisão de selecção. As escolas eram também obrigadas a publicar e afixar a lista graduada com as classificações dos candidatos. Vários recursos começaram a surgir e as direcções regionais viram-se obrigadas a dar razão aos recorrentes, tendo de repetir os concursos. Mas estes recursos e a reposição da justiça eram grãos de areia na engrenagem da actual reforma do ensino que se quer ligeira. Assim, o DL 35/2007 vem acabar com o direito de recurso pelo Código de Procedimento Administrativo, e não exige que a escola apresente publicamente a lista graduada ou que justifique porque razão escolheu um candidato em vez de outro.
Estamos, obviamente, perante um entrave aos direitos dos candidatos e uma afronta à transparência e justiça do acto administrativo. Contudo, tudo é feito de acordo com a “lei”, com a nova “lei”. E, segundo o desejo do Ministério da Educação, são as escolas que têm o direito de escolher os seus professores. Ao candidato injustiçado, por exemplo, o professor profissionalizado em teatro no desemprego que vê o tal técnico da Malaposta, ou o professor de Português ou de Educação Física a leccionar a sua disciplina, resta suportar o sorriso de escárnio dos usurpadores impunes do seu lugar.
Toda esta situação caótica de injustiça e impunidade decretada e imposta pelo próprio ME nos concursos por Oferta de Escola, servirá, daqui a algum tempo, para os mesmos governantes criticarem os professores e as escolas pelo descrédito do ensino profissional e artístico e justificarem a implementação de novas medidas e das ditas “lideranças fortes”.


5. Das artes mágicas

Iniciar centenas de cursos profissionais, de um momento para o outro, na lógica do laisser-faire, laisser-passer, sem o mínimo de preparação da estrutura escolar e sem cuidar de uma colaboração efectiva entre as escolas, as universidades e os demais agentes económicos e culturais, só poderá trazer resultados negativos. As escolas são impelidas a abrirem cursos sem as instalações, equipamentos e docentes adequados, transformando-se disciplinas de exigente experimentação técnica, nas habituais aulas de caneta e papel. E, como já temos provas bastantes, o nosso tradicional desenrascanço falha sempre quando se pretende usá-lo em áreas estruturantes.
Quem conhece o nosso actual sistema de ensino sabe bem que a implementação de um ensino profissional e de uma educação artística com alguma qualidade será tarefa para uma ou duas décadas: se trabalharmos bem e unirmos esforços vários nesse sentido, claro. Até às divindades não é permitido alterar o passado. E o tempo perdido foi, efectivamente, perdido. Não há volta a dar. A menos que se conheçam artes mágicas. O ME parece que conhece.
Na lógica da equipa ministerial, o grande problema da educação são os professores. E são os professores por, precisamente, serem professores. Os professores, novos ermitões, vivem dentro dos muros e vedações das escolas, alienados com o seu saber académico, fogem do mundo real e, isolados nas escolas-mosteiro, não conseguem preparar os alunos para a realidade, para a vida prática lá de fora. A fuga desta alienação, o caminho para a verdade, foi iniciado com a dádiva de milhares de computadores com ligação à Internet dos projectos E-Escola e E-Escolinha.
Mas nas áreas técnico-profissional e artísticas, aí, é que estes professores-ermitas são absolutamente desaconselhados. Não estando em contacto com o mundo das artes e das profissões (que na assumpção do ME só pode ser estar nelas a trabalhar em simultâneo com a leccionação), não conseguem preparar convenientemente os seus alunos. Há também a possibilidade “escandalosa” de alguns destes profissionais chamados à escola tomarem o gosto pelo ensino e desejarem, durante um período da sua vida, dedicarem-se exclusivamente à profissão docente. Ora isso levaria a que se tornassem rapidamente em ermitões afastados do mundo real e logo péssimos professores. E, pior do que isso, dali a alguns anos estariam a exigir serem integrados nos quadros das escolas.
Parece, pois, ser por artes mágicas que se irá instaurar um ensino profissional e uma educação artística de qualidade no país. Não é necessário as escolas investirem nos seus recursos humanos e constituírem, consoante o seu projecto educativo, um quadro de professores qualificados em determinadas áreas técnico-profissionais ou artísticas. Não. A solução é simplesmente contratar técnicos do mundo do trabalho, professores-biscateiros, que podem não ter qualquer vocação ou preparação para o ensino, e colocá-los a dar aulas. Na lógica de “ deixar funcionar o sistema”, os “biscateiros” substituirão o ME e as universidades e farão a ligação e protocolos necessários com o mundo do trabalho e com as empresas, encontrando, também, uma fácil saída profissional para os seus alunos.
Consegue-se encontrar sem dificuldade um vislumbre de semelhança entra esta solução e a medida, durante o Estado Novo, que trocou os professores qualificados do ensino primário pelos “famosos” regentes escolares. O resultado é conhecido de todos. Não tão longe, ainda no ano lectivo passado, centenas de professores viram-se colocados, sem qualquer habilitação adequada, a leccionar no denominado Ensino Especial. Ou isso ou o desemprego. O resultado para as crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem acrescidas mais tarde se verá.
Nesta lógica ministerial de “vanguarda”, quanto maior for o “biscate” melhor será a qualidade do ensino das nossas escolas. É assim que a obrigatoriedade do meio horário (11horas) começou a ser “furada” no preciso momento que escrevíamos este artigo, autorizando o ME o lançamento de horários até 18 horas lectivas (quase um horário completo), só que neste caso o candidato tem de apresentar um comprovativo em como tem uma profissão, na área que vai leccionar, fora do sistema de ensino. Assim, os professores que têm um emprego fora da escola, e que, portanto, não poderão dedicar-se a ela e aos alunos com a devida atenção, são os beneficiados e os eleitos pelo Ministério da Educação. Na prática, poderão ter dois empregos. Os outros, os que são professores a tempo inteiro, terão de limitar-se às 11horas e ao meio horário.
Felizmente, e sem recorrermos a estados místicos ou a artes divinatórias, vamos conseguindo aproximarmo-nos da inefável sabedoria e da resolução do mistério dos meios horários. Este mistério está, também, relacionado com um subterrâneo e não assumido confronto da equipa do ME com o próprio cerne do sistema democrático: os deputados da Assembleia da República, inclusive os do Partido Socialista. De facto, foi a contra-gosto que o ME se viu obrigado a integrar nos quadros os professores de técnicas especiais com mais de 10 anos de serviço lectivo, por imposição da Resolução nº 17/2006 da Assembleia da República. O DL n.º 35/2007 foi a resposta camuflada a essa Resolução unânime dos deputados da Republica, e a “solução” para que tal não torne a acontecer.
Como, mesmo que insistam, não acreditamos em artes mágicas, soluções milagrosas, e saberes inefáveis, resta-nos afirmar que estamos perante uma tremenda parolice. Uma parolice que as gerações vindouras irão pagar.


António Silva